Oldney Lopes

Pensamentos esculpidos em contos, crônicas, mensagens e poemas

Textos


PÍNCARO

(Uma estrela)

De repente ela havia ficado em dúvida entre a cama e a mesmice. E enquanto tremia de ansiedade e nervosismo e medo do desconhecido e intuição de alguma inesperada ameaça, foi deixando-se levar e levada descobriu que a cama era nuvens, e simplesmente abandonou-se a um mágico flutuar. Marejava gotículas orvalhadas de prazer e então parou de se intimidar e permitiu-se sedar e abrandar e acaridar e acirandar e trepidar e transbordar... Sonhadora, submergiu no lago da noite dos contos de fadas e não queria mais acordar.  Ofegante, subiu ao cimo de uma cumulus nimbus da qual não desejava mais sair, mas teve que descer. Quando voltou para a vida real, era peso de chumbo nos ombros e aperto no peito e a força da gravidade a grudá-la no chão que lhe faltava. Era ânsia e tremor no coração, e letargia e temor na mente, e a gravidade daquele enjôo e daqueles séculos de atraso. Foi assim, tremendo e temendo, que atravessou vazios como se estivesse despencando num abismo até o baque do tremendo susto: o teste gritava aos seus olhos o que a alma recusava-se a imaginar. Procurado, o príncipe virou sapo, e depois monstro ameaçador, e depois pessoa desaparecida. O rei que era todo desvelo pela princesa transfigurou-se num Gigante Adamastor e renegou-a. O lar de aconchego e segurança tornou-se ambiente inóspito e hostil. Quem disse que precisa sofrer e se acabar porque tudo vai mal e já não há amor e já não há proteção e já não há família e já não há lar? Quem disse? Chorou sim, rios de lágrimas que viraram mares de superações e de super ações. Pois se já não há lar, que se ouse alar. E foi sozinha mesmo, foi fora de casa mesmo, foi de abrigo em abrigo mesmo, de amigo em amigo mesmo, que transpôs quarenta luas de atávicos desejos e absolutas convicções e persistências para elevar-se à constelação das estrelas que brilham para sempre e encantam a vida da gente por serem mais que gente, mais que todo mundo, mais que todos os mundos e todas as luas, por serem simplesmente mais. Por serem simplesmente mães.


Oldney Lopes
Enviado por Oldney Lopes em 30/06/2010


Comentários
L
Liana Araujo
Perfeito! Exótico! Sensual! Genial! Genuinamente lindoooo!Encantador! Se me permite, atravessei a fronteira da imaginação e mergulhei de cabeça nesse teu conto de fadas... Viajei... Ameiiiiiiiii!!! Esplêndido!!!!
M
Magda Maia
Você usa e brinca com as palavras de uma forma tão linda, gostosa e deliciosa... dá a impressão de que é fácil fazer isso...quanta habilidade em mover e gerar este texto!!! Conto riquíssimo, requintado e precioso. Um ritmo acelerado que nos leva a ler sem parar.. e ler mais e mais e mais... e somente nos deixa parar no final, cansados, exaustos e realizados! UFA! Adorei. Espetacularmente lindooooooooo!!! Adoro ler você, Oldney Lopes, meu poeta predileto e favorito. Amoooo demais! Parabéns!
R
Rosa Maria Morenno
Que maravilha de conto! Fiquei apaixonada pelo seu texto! Quanta maestria no uso das metáforas! Parabéns!

Site do Escritor criado por Recanto das Letras